7 de novembro de 2011

ESTUDO DO CAPÍTULO 4 DA ESPÍSTOLA AOS FILIPENSES

1. Introdução (v.1). A conjunção “portanto” (hōste) liga o capítulo 4 ao texto precedente (cap.3) e o conclui. Os temas anteriores, como por exemplo, “a cidade celeste”, “a vinda do Senhor” e a “transformação dos nossos corpos corruptíveis” (3.19-21) são os fundamentos da firmeza cristã nos grandes vendavais da vida. “Portanto”, diz Paulo, “estai assim firmes no Senhor”. O verbo stēkete é uma ordem bíblica (imperativo), e deve ser uma condição permanente (aoristo).

Todavia, a segurança do crente não está fundamentada na “incerteza das riquezas” (1 Tm 6.17), e muito menos na “falibilidade dos projetos humanos” (Tg 4.13-17), mas “no Senhor” (en Kyriō). É firmados na Rocha Eterna que temos completa segurança salvífica. Esta afabilíssima admoestação é entrecortada com expressões afetuosas que recordam a bondade dos cristãos filipenses: “irmãos amados e saudosos”, “alegria e coroa”.

2. Exortação à unidade teológica (vv.2,3). Nesta seção, Paulo exorta duas possíveis diaconisas da igreja em Filipos: Evódia e Síntique. O verbo “exortar” ou “instar” (parakalō) é usado duas vezes e atribuído a cada personagem. Com isto Paulo demonstra o quanto é imparcial nesta querela. Saulo insta para que elas “sintam o mesmo no Senhor”. Vejo aqui um jogo de palavras, uma vez que o significado do nome Evódia (viagem próspera) se relaciona ao de Síntique (afortunada). Embora o texto bíblico não apresente o motivo pelo qual as duas cristãs estavam em desacordo, acredito que a causa era teológica.

O verbo phroneō , “pensar”, é usado frequentemente com o sentido de “formar uma opinião” ou “emitir um juízo”, como em At 28.22 e 1 Co 13.11; e o uso do dativo “no Senhor” (en Kyriō), reflete que este assunto não estava relacionado a brigas insignificantes, mas, antes, a um assunto relacionado à mensagem do evangelho dentro da igreja.

Para colocar um fim a este desentendimento, Paulo apela à benignidade do seu “autêntico companheiro” incógnito. Apela, provavelmente também a Clemente, ou “o Benigno”. Tanto Clemente como Evódia e Síntique eram “ajudadores” (sullambanō) e “lutadores” (synēthēsan) na causa do evangelho. Estes dois vocábulos gregos, mantêm a tónica da comunhão cristã presente em toda epístola por meio da conjunção associativa sun e do nominativo koinōnia – Ler 1.7,27; 2.2;3.17,21 etc. Esses “companheiros de armas” têm seus nomes escritos no Livro da Vida (Biblō Dzōēs) – Cf. Êx 32.32; Sl 69.28; 139.16; Dn 12.1; Ap 3.5; 13.8; 17.8; 20.15; 21.27.

3. Tema da Epístola e a sua relação com a vida cristã integral (v.4). Paulo apresenta o tema-chave de toda epístola. O verbo no imperativo presente, “Regozijai-vos, sempre” (Khairete), e a forma dativa “no Senhor” (en Kyriō) refere a alegria contínua e independente das circunstâncias. Nesta última acepção, a verdadeira alegria é fruto da nossa permanência em Cristo. A preposição “en” não é apenas dativa – de relação – mas também de lugar. É tanto um estado como um lugar.

É na relação com Cristo que alcançamos a ataraxia, a imperturbabilidade desejada pelos filósofos gregos. A alegria deve conduzir o crente a equidade. No original, epieikes, significa “magnanimidade”, “gentileza”, “tolerância”, “clemência”. Esta virtude é exigência àqueles que aspiram ao ministério (1 Tm 3.3; Tt 3.2). A aproximação da volta de Cristo é o termómetro do andar magnânimo do crente: “Perto está o Senhor” (v.5). Junto a esta alegria opera o contentamento cristão, assunto dos versículos 11-18. Paulo sintetiza os seus infortúnios e prosperidade com a frase: “já aprendi a contentar-me com o que tenho” (v.11).

O termo grego para "contentamento" é autarkeia, que exerce a função de predicado nominativo com infinitivo do adjetivo autarkēs (A.T.Robertson). Este estado supremo de felicidade é resultado tanto da posição e relação do crente com Cristo como das nossas orações (proseukhē), súplicas (deēsei) e ações de graças (eukharistias) diante de Deus (v.6). Quando deixamos no altar do Senhor todo o nosso clamor, sai dos nossos ombros as cargas da inquietação, tristeza e temor, pois Deus supre todas as necessidades dos crentes, através da glória, por Cristo Jesus (v.19). A oração é o antídoto contra a dilaceradora inquietação.
Portanto, afirma o apóstolo, “Não estejais inquietos por coisa alguma” (v.6). Esta expressão ecoa do Sermão de Mateus 6.25: “Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida”. Segundo Matthew Henry, a recomendação é para que nas nossas inquietações não desconfiemos de Deus e nos tornemos desqualificados para o seu serviço.

Somente assim, “a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos sentimentos em Cristo Jesus” (v.7). A “paz de Deus” é um dos atributos divinos que outorga a mesma paz que há em Deus. É, segundo Henry, “o benefício do Seu favor”. Já a “paz com Deus” de Rm 5.1 descreve o restabelecimento da comunhão com Deus através do sacrifício vicário de Cristo. A preposição “prós” quer dizer “face a face com” (Jo 1.1).

4. Virtudes Cristãs (vv.8-9). Nestas palavras Paulo descreve as virtudes da vida cristã magnânima. A saber: Verdade – o que se opõe à falsidade; Honesto – tudo o que é honroso; Justo – de acordo com a justiça divina; Puro – tudo o que é santo; Amável – o que procede do amor; Boa Fama – o que é livre de ofensas. Para encerrar a lista das virtudes bíblicas, Paulo afirma: “se há alguma virtude”. “Virtude” é no original o termo aretē , isto é, “excelência moral” ou apenas “excelência”.